Sem proteção, a TV digital não é viável
STEVE SOLOT
A difusão não autorizada concorre de forma desleal com canais de distribuição. A cópia sem freios e a pirataria podem esvaziar a TV digital O GOVERNO brasileiro pesquisou vários anos para determinar o padrão adequado de tecnologia para sua TV digital. Feita a opção pelo sistema japonês, discute-se agora implantar ou não controles que impeçam a redistribuição indiscriminada de conteúdo.O ministro das Comunicações, Hélio Costa, declarou-se favorável a um sistema de proteção. Já a ministra Dilma Rousseff, da Casa Civil, divulgou nota defendendo o contrário.Uma entidade de defesa do consumidor mostrou-se oposta à instalação de um mecanismo de proteção por considerá-lo, incorretamente, violação dos direitos do consumidor. O que está em jogo nessa discussão? Os oposicionistas alegam um motivo nobre: o direito de escolha do consumidor. Cabe, porém, a quem vivencia o setor esclarecer que, na prática, o interesse do cidadão está na proteção do direito autoral. A aplicação de um sistema de proteção pode parecer burocrática, mas possibilita que o telespectador tenha acesso a mais opções de entretenimento de alto valor agregado, o que só é possível em um ambiente digital sano, no qual a proteção ao conteúdo é o principal pilar.A produção e a distribuição de filmes e programas de TV têm grande potencial de crescimento, com cada vez mais qualidade e variedade. O sistema digital abre um leque de possibilidades para produtores de todos os portes, independentes ou não, e para distribuidores de conteúdo. O pré-requisito para isso é a preservação da propriedade intelectual -único estímulo efetivo à criação e ao investimento em canais de distribuição. Proteger conteúdos não significa cercear a liberdade do telespectador de gravar programas e assisti-los quando desejar. Será possível gravar cópias para uso pessoal -como no tempo dos aparelhos de VHS. O que não deve ser permitido é a comercialização e a redistribuição indiscriminada desses programas na internet.A proteção é para que a TV digital não tenha seu sentido desvirtuado. Sem bloqueio, gravações podem ser redistribuídas livremente, inclusive em outros mercados, reduzindo valor de comercialização do conteúdo.A proteção ao conteúdo tem como objetivo impedir que os telespectadores se tornem um "retransmissor" da programação, inviabilizando, por exemplo, a manutenção da audiência das emissoras e a valorização do espaço publicitário. A comercialização da programação em mercados externos também ficaria difícil.O potencial destrutivo existe também na evasão de conteúdo pela web -mesmo uma cópia feita por um fã e colocada na rede como homenagem.A difusão anônima, não autorizada e descontrolada concorre de forma desleal com os canais de distribuição: conteúdos obtidos de graça e a qualquer tempo têm valor que tende a zero. Por que investir em sua produção e difusão se o valor de mercado pode desaparecer? No médio prazo, a cópia sem freios e a pirataria podem esvaziar a própria TV digital.Nesse sentido, a TV aberta digital é altamente vulnerável, pois tem concessão para operar em um determinado território. Já a internet permite distribuição global e irrestrita.Atentos a esse risco, distribuidores têm dado preferência aos mercados em que há proteção, direcionando os melhores produtos para plataformas codificadas mais seguras -TV a cabo e via satélite-, de acesso fechado.Assim, consumidores da TV aberta, dependentes dos índices de audiência e de receitas publicitárias, ficariam excluídos das vantagens da difusão digital. Ou seja, os prejudicados seriam aqueles que mais se quer defender: os telespectadores.Proteger a propriedade intelectual é vital tanto para o governo como para o telespectador. O interesse da indústria audiovisual é oferecer produtos novos ao maior número de pessoas. O da população é ter acesso ao conteúdo de alta qualidade. Quando o negócio se torna economicamente viável, todos ganham. E, para que a TV digital seja economicamente viável, é necessário prevenir sua propagação ilegal.A decisão sobre o sistema de proteção de conteúdo cabe ao Comitê de Desenvolvimento da TV Digital.Desde o início das discussões sobre a TV digital brasileira, a Motion Picture Association procurou alertar a opinião pública sobre essa questão.Agora, o governo federal e o Congresso Nacional, que já demonstraram firmeza no combate à comercialização não autorizada do conteúdo criativo com a CPI da Pirataria e o Conselho Nacional de Combate à Pirataria e Delitos Contra a Propriedade Intelectual (CNCP), têm mais uma oportunidade para demonstrar essa liderança no setor audiovisual.
STEVE SOLOT, 55, mestre em economia pela Universidade de Boston (EUA), é vice-presidente sênior para a América Latina da Motion Picture Association.
quinta-feira, 13 de setembro de 2007
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